Sete camadas de tecido cortadas em menos de nada. Sete camadas de tecido que se afastam para permitir chegar ao pequeno ser gerado dentro de nós. Sete camadas de tecido que, depois de juntas novamente, deixam uma marca para sempre, aquela que muitas mães chamam de "marca de amor". Eu sou uma dessas mães que precisou de ver cortadas sete camadas de tecido para ver o seu filho nascer. Sou uma das muitas mães de cesariana que existem em Portugal.
Sim, é verdade... Sou mãe de cesariana. Tive de entrar num bloco operatório para que o meu bebé pudesse nascer. Teve de ser assim pois a nossa opção como pais seria o parto natural, ainda para mais pensando que se tratava do nosso primeiro filho. Mas quis a natureza que assim não fosse e que o meu bebé decidisse subir em vez de descer depois da ruptura espontânea da bolsa. Se preferia que tivesse sido de outra forma? Preferia... Mas existem momentos em que não pode ser como nós queremos e assim o meu parto entrou para a contabilidade de cerca de 36% dos partos que ocorrem, todos os anos, por cesariana em Portugal.
Esta semana deu na RTP3 um interessante documentário (que pode ser visto no RTP Play aqui) sobre a cesariana e o número cada vez maior de bebés que nascem através desta intervenção. Portugal, juntamente com a Itália com 38% dos partos a ocorrerem por cesariana, encontra-se nos lugares da frente na Europa. Felizmente, nada comparado com os números da China (50%) e do Brasil, o país onde mais crianças nascem por cesariana (54% dos partos). Segundo investigadores em Obstetrícia, quando o número de partos por cesariana ultrapassa os 40% do número total, existe conhecimento fundamental sobre o parto natural que se está a perder pelos profissionais de obstetrícia e que poderá ser determinante para a segurança da mãe e da criança em situações de parto normal. O conhecimento perde-se quando não é colocado em prática e este corresponde ao maior perigo da opção pela cesariana apenas porque sim. O nascimento por cesariana pode ocorrer por três motivos: cesariana de emergência (quando o trabalho de parto já teve início e por algum motivo médico necessita-se de passar para esta intervenção), a cesariana planeada (quando existe indicação, por exemplo, por o feto se encontrar em posição pélvica, sendo uma cesariana agendada habitualmente para as duas últimas semanas da gestação) ou cesariana electiva (quando as mães optam pela cesariana - pelos seus motivos individuais - podendo, por exemplo, escolher o dia do nascimento do seu filho).
Cada situação é uma situação e não nos cabe criticar as opções de cada um. Seja por opção pessoal ou por indicação médica, o que é certo é que o número de cesarianas está a aumentar de forma algo alarmante em todo o mundo e importa conseguir reverter esta tendência para que as competências das equipas médicas ao nível do parto normal não se percam e para que futuras mães e bebés não corram riscos quando chegado o momento de nascerem. Mas acho preocupante quando se ouve uma médica dizer que as crianças têm é que nascer por cesariana por é muito mais simples para todos. No documentário que referi acima, "Cesariana: A polémica", ele termina com a entrevista a uma obstetra brasileira, acérrima defensora da cesariana. Ela diz que o parto normal gasta muito tempo, necessita demasiados recursos, principalmente de pessoas, para trazer ao mundo uma criança. Ela transmite-nos que é algo desagradável se tiver que acordar de noite porque uma suas pacientes entrou em trabalho de parto. Se tiver de atravessar toda a cidade para ir ter com uma futura mãe que está em trabalho de parto e pretende parto normal. Esta obstetra diz-nos que aconselha todas as suas pacientes a seguir por cesariana porque é muito mais simples, tudo se controla melhor. Diz-nos também que um parto normal atrapalha a agenda porque o tempo que se dedica aquela mãe e aquele bebé poderia estará a ser dedicado a outras consultas e outras intervenções. Chocou-me esta postura. Chocou-me ver que o que interessa é o tempo de agenda livre para fazer muitas cesarianas. Com data e hora marcada. Apenas porque sim.
E assusta-me mais que se possa estar a seguir neste caminho por cá... Espero que não... Porque a cesariana, como intervenção cirúrgica que é (e que temos de ter presente isto mesmo!), tem os seus riscos para a mãe e para o bebé. Não se deve ser operado apenas porque sim. Tem de existir uma justificação para isso... Para que não se percam as competências fundamentais nas equipas médicas. E para que não se transforme o momento mágico do nascimento numa convergência de vagas na agenda...
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